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Peso e medida

Como ir “à bola” com estilos de vida activos? O adepto joga e o clube apoia!

Os sucessos ou derrotas dos clubes são vividos pelos adeptos como seus, alimentando uma ligação não só “de” e “para” toda a vida, mas muitas vezes transgeracional.

A conquista do Campeonato Europeu de Futebol, seguida de uma série de troféus noutros desportos, vestiu o país de verde e vermelho, cores de uma euforia colectiva e sentimentos de capacidade e de pertença a uma comunidade (nação neste caso!), motivos de orgulho e autênticos combustíveis de toda a espécie de iniciativas. Quantas mudanças individuais esta vitória, sentida como colectiva, terá inspirado?

De facto, a paixão pelo futebol e as sinergias em torno dele criadas podem mudar vidas. Este fenómeno atinge particular expressão na Europa onde, em cada semana, cerca de 20 milhões de pessoas, sobretudo do sexo masculino, assistem aos jogos das principais ligas. Os sucessos ou derrotas dos clubes são vividos pelos adeptos como seus, alimentando uma ligação não só “de” e “para” toda a vida, mas muitas vezes transgeracional.

Esta ligação tem sido frequentemente analisada, não só cientificamente mas em variadas produções artísticas e culturais, sobretudo na televisão, música e escrita. Todas elas dão conta de uma ligação quase visceral e catártica entre o adepto e o seu clube, de tal forma que uma parte importante da identidade individual do adepto passa exactamente pela identificação com o clube e seus valores fundamentais. Esta identificação tem surgido em vários estudos como preditora do comportamento do adepto. Não obstante, tal fenómeno tem sido capitalizado maioritariamente para fins de marketing e avaliado por parâmetros ligados ao consumo  (p.ex. compra de ingressos e produtos) ou virado para o apoio dado ao clube (p.ex. voluntariado, pertença a claques). Mais recentemente, tem-se percebido que o potencial desta ligação e o seu poder transformador pode ser canalizado para muitas outras esferas da vida do adepto. Há já exemplos de programas no âmbito da saúde mental, tratamento de dependências e intervenção na área da violência doméstica, que têm procurado utilizar o futebol e a sua linguagem (“it’s a goal”; “playing by the rules”) em populações normalmente mais resistentes a outras formas de intervenção.

No caso da promoção de estilos de vida activos e da gestão de um peso saudável, a maioria dos programas existentes é apelativa apenas para uma minoria da população. Neste âmbito, a população masculina adulta tem sido identificada como particularmente resistente e de difícil acesso.  É caso para dizer que, geralmente, os homens “não vão muito à bola” com programas destinados a promover estilos de vida saudáveis! Pode a paixão pelo futebol ajudar a inverter esta tendência? Foi exactamente esta a ideia na base do Programa EuroFIT (European Fans in Trainning), um projecto financiado pela União Europeia, reflectindo uma colaboração entre centros de investigação de nove universidades na Europa, quatro outras entidades públicas e privadas, e 15 clubes de futebol profissional – entre os quais o FC Porto, o SL Benfica, e o Sporting CP.

O objectivo principal do projecto EuroFIT é o de estabelecer pontes de ligação entre investigadores, profissionais de saúde, clubes de futebol, treinadores e adeptos, promovendo novos contextos de intervenção na promoção da saúde comunitária, tornando os clubes de futebol, e os recursos que envolvem, em importantes parceiros na resposta a problemas ligados ao sedentarismo e regimes alimentares desequilibrados. A  ideia nasceu na Escócia, com o programa FFIT (Football Fans in Trainning), testado na liga escocesa e já publicado em várias revistas científicas “de primeira liga”. Este programa, desenhado para adeptos com excesso de peso, procurando promover estilos de vida activos e um peso mais saudável, através de uma intervenção de grupo, implementada nas instalações dos próprios clubes e pelos seus treinadores, provou ter resultados significativos na perda de peso, da promoção de actividade física, nos hábitos alimentares e consumo de álcool, tendo também efeitos positivos ao nível do bem estar.

O projecto EuroFIT pretende disseminar e potenciar o impacto do seu antecessor, alargando os alvos de intervenção à diminuição do comportamento sedentário e à promoção de alterações comportamentais sustentáveis a longo prazo, recorrendo para tal a paradigmas motivacionais testados, visando acima de tudo o desenvolvimento da motivação autónoma, baseada: i) num sistema de motivos intrínsecos, ligados ao significado, experiência, prazer e desafio pessoais; ii) no desenvolvimento de competências e ferramentas ligadas ao exercício e comportamento alimentar; iii) e no aprofundar das relações entre o adepto e o clube (estimulando o sentimento de pertença, aceitação e apoio), mais especificamente entre os membros do próprio grupo.

Durante o último ano, em 15 clubes de futebol da primeira liga em Portugal, Holanda (ex. PSV Eindhoven) Noruega (ex. Rosenborg BK) e Inglaterra (ex. Arsenal FC e Manchester City FC), cerca de 1100 adeptos adultos, do género masculino e com excesso de peso, encontram-se a participar neste projeto. O programa contém 12 sessões semanais, de cerca de duas horas, conduzidas por treinadores dos clubes (devidamente certificados para tal), em grupo, com recurso a um toolkit de ferramentas para a autorregulação dos comportamentos ligados ao exercício e alimentação, incluindo a monitorização regular dos estilos de vida e o desenvolvimento da auto-motivação. Nas sessões semanais, os participantes podem contar com uma componente prática de exercício, onde todas as actividades são propostas como oportunidades para experimentar, para desenvolver uma certa literacia motora e redescoberta do prazer do movimento, num contexto único de acesso privilegiado (utilizando recursos físicos e humanos do clube) potenciador de experiências plenas de significado e emoção. A esta componente alia-se a discussão em grupo acerca de temas fundamentais para a adequada gestão dos comportamentos ligados à saúde (alimentação, exercício, consumo álcool), estimulando-se a reflexão de benefícios pessoalmente valorizados, e o desenvolvimento de uma variedade de estratégias para iniciar e manter alterações no estilo de vida, permitindo a escolha diferenciada em função dos diferentes momentos e contextos das suas vidas.

Desenvolvido e implementado o programa nos 15 clubes iniciais, o desafio para os próximos meses e anos será o de continuar a sua avaliação, analisando o seu impacto não só nos participantes (e nas suas redes familiares e sociais), mas também nos clubes. Pretende-se explorar os processos que conduziram a tais resultados, bem como a possibilidade de sua replicação e disseminação a outras populações e clubes, possivelmente até a outros desportos. A meta será a de poder contar com os clubes desportivos como agentes de promoção da saúde, desenvolvendo com os seus adeptos uma relação sustentadora de muitos “golos” futuros na direção de estilos de vida mais saudáveis e activos. Vamos à bola juntos?

Doutorada em Saúde e Condição Física, Psicóloga Clínica
Faculdade de Motricidade Humana